segunda-feira, 27 de julho de 2009

O mundo nunca mais será o mesmo

A história de nosso grupo hominídeo, o Homo sapiens, começa entre 250 e 200 mil anos atrás, no Paleolítico inferior . As fontes de estudo ainda nos dão esta "pequena" margem de 50 mil anos de imprecisão. Convenhamos que com 50 mil anos e nossos neurônios, seríamos capazes de realizar muitas coisas. Mas na pré-infância de nossa humanidade, nossa relação com a natureza e a termodinâmica era muito diferente da atual (Arqueologia das Primeiras Culturas, John Gowlet,p 60). Como caçadores-coletores, dependíamos quase que exclusivamente da energia dos nossos músculos, auxiliados por ferramentas de pedra que herdamos intelectualmente de nossos parentes ancestrais Australopithecus, que surgiram a aproximadamente 2,5 milhões de anos atrás, no início do Paleolítico (K. Kris Hirst, Archaeology Guide). Nossa condição de sobrevivência se refletiu no número de indivíduos ao longo do tempo. Mas não quero me ater, nesta discussão, aos processos evolutivos da nossa espécie, num emaranhado de explicações antropológicas. Meu desafio aqui é traçar um paralelo entre nossa relação de crescimento demográfico e domínio das fontes energéticas. E para isso, vou simplificar nossa pacata coexistência com os recursos presentes na natureza, nosso modo de vida baseado na caça e coleta dos últimos 100.000 anos e nosso avanço energético a 12.000 anos atrás, berço de nossa civilização.
Nosso modo de vida é radicalmente transformado a aproximadamente 12.000 anos atrás, quando passamos de nômades caçadores-coletores a sedentários agricultores suíno-pecuaristas. Isso não se deu ao acaso e nem por lógica. Segundo Jared Diamond (Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies- 1997), uma provável e terrível seca de mais de 1.000 anos, no Crescente Fértil (atual Iraque), forçou as tribos caçadoras a buscar alternativas "energéticas" alimentares em meio a uma escassez de animais e plantas. Isso nos forçou ao advento da agricultura. Primeiramente plantando como complemento à caça, e num segundo momento, fixando-nos à terra e domesticando mamíferos pra nossa alimentação (suínos, segundo o arqueologista Dr. Michael Rosenberg da Universidade de Delaware). Os primórdios de nossa agricultura embasaram-se em nossa força e ferramentas, e logo, lançamos mão da força animal com o gado e cavalo domesticados (Saltini Antonio, Storia delle Scienze Agrarie, 4 voll., Bologna 1984-89).Nossa relação com a disponibilidade energética se multiplicou, e conseguimos uma maior eficiência na produção de alimentos, o que nos permitiu a organização em castas e uma explosão demográfica contínua e ininterrupta. Seguem-se as grandes civilizações, que ainda assim, embasavam seu modelo produtivo em uma matriz energética animal-escravocrata. Apesar de fontes alternativas como a madeira terem sido utilizadas para a produção de energia e produção de bens, de maneira sistemática durante toda a nossa história, nossa matriz energética não teve mudanças profundas até o advento dos combustíveis fósseis nos primórdios da revolução industrial. Segundo David Price, em 1995, "a energia extrasomática usada pelas pessoas por todo o mundo representa o trabalho de cerca de 280 mil milhões de homens. Ou seja, é como se cada homem, cada mulher, e cada criança em todo o mundo tivessem 50 escravos. Numa sociedade tecnológica, como os Estados Unidos, cada pessoa tem mais de 200 desses tais 'escravos fantasma'.".
Para fazermos um paralelo entre o nosso sucesso em termos de indivíduos e sua associação à disponibilidade energética, vou citar um ponto de referência na nossa pré-história. Segundo Stephen Oppenheimer (Out of Eden / the Real Eve - 2003), uma super erupção vulcânica do Monte Toba, Sumatra, a aproximadamente 74.000 anos atrás, teria causado um inverno nuclear de mil anos, cobrindo a India e Paquistão com uma camada de 5 metros de cinzas. Esse evento teria reduzido dramaticamente nosso grupo humano a apenas 10.000 adultos. Levaríamos o curso restante da nossa pré-história e mais 2.000 anos da nossa história, para alcançarmos uma população mundial de aproximadamente 5 milhões, no início da agricultura, e 200 a 300 milhões de indivíduos (David Price - Energia e Evolução Humana - 1995) próximo ao nascimento de Cristo, no ano zero. Um número significativo, porém árduo: de 10.000 a 200-300 milhões de seres vivos em 72 mil anos, mas com uma clara explosão demográfica em 8 mil anos. Levamos mais 1650 anos para duplicarmos a população para 500 milhões de habitantes, através de nossa organização social, tecnologias e resistência a doenças. Mas é com o advento do combustível fóssil que a sorte deste grupo dá uma guinada evolutiva. Em 1800, apenas 150 anos após, chegamos à marca de 1 bilhão de habitantes. E em 1930, 130 anos passados, duplicamos de novo. Trinta anos após, em 1960, éramos 3 bilhões.
Nasci em 72. O mundo já havia se enfrentado duas vezes em grandes guerras. Nosso sistema político, tornado-se complexo. Nossa maneira de gerar riqueza, funcionando a todo o vapor, criando a nova e moderna religião econômica. Campos da ciência explodiam em conhecimento, saúde, genética, robótica, astronomia. No ano em que nasci, já éramos 3,8 bilhões (UN report data - 2004). A riqueza associada a nosso sucesso nos trouxe maiores expectativas de vida. Mas toda essa opulência tecnológica tinha um sócio vitalício: a energia. Não é a toa que várias correntes científicas defendem o cunho, estamos vivendo a era energética. Nossa matriz energética atual é basicamente composta de combustíveis fósseis. Os combustíveis fósseis são basicamente, o resultado da captura energética solar, em todo o seu ciclo da pirâmide alimentar, guardado nas profundezas do nosso planeta, como resultado da transformação da energia contida nos fótons em hidrocarbonetos. Na nossa adolescência energética, a 300 anos atrás, abrimos a caixa de Pandora e descobrimos a energia barata e abundante. Aprendemos a coletá-la, transmiti-la e armazená-la de diversas formas para que a utilizássemos como nos conviesse. Chegamos, através disso, a aurora genética. Nosso domínio da energia, produção de alimentos e geração de riqueza nos trouxe até aqui. Somando-se todos os cientistas da humanidade em nossa história até o início do século XX, não são páreos os números para a quantidade de cientistas vivos produzindo conhecimento neste instante.Os números não mentem, no transcorrer destes meus 37 anos vividos em nosso planeta, assisti e continuo vivenciando os sucessos e desafios decorrentes deles: já somamos 6.774.020.072 humanos segundo a ONG CountTheWorld. Quase 3 bilhões a mais desde que nasci ou quase o dobro. Nunca na nossa história tivemos um patamar parecido. Nunca também multiplicamos exponencialmente nesta velocidade nossa necessidade de manter a razão energética por habitante e conseguir recursos naturais para manter nossa fome egocêntrica. Aonde esta curva nos levará? Senão a um colapso ou uma política de danos aceitável, Raymond Kurzweil, inventor e futurista norte-americano renomável, dá as nuances de nossa pintura em seu livro “Fantastic Voyage: Live Long Enough to Live Forever”: nos próximos 20 a 50 anos, nosso mundo verá transformações significativas, como as do século XX inteiro, acontecerem 32 vezes. Pois é, quem viver, verá.

4 comentários:

Rômulo disse...

Pois é, vira e mexe, e o tema da sustentabilidade sempre esbarra na inevitável pergunta: o planeta agüenta esse tanto de gente?

Os Incansáveis disse...

É assustador. E o que é pior é que todo os descobrimentos na ciência e tecnologia e o consequente aumento de expectativa de vida dos humanos não é para todos. Ainda temos muita gente que não tem acesso ao básico para sobrevivência e morrem, por exemplo, em decorrência da falta de saneamento básico. Isso é justo? Isto é humano?
Denise

Anônimo disse...

Tudo isso me leva a pensar o que estamos fazendo com o nosso planeta que é ainda o único lugar que temos pra viver e continuar existindo. Produzimos e aprimoramos conhecimentos, mas o que fazemos com eles é a questão. Temos em nossas mãos ao mesmo a solução e uma arma que pode
nos salvar ou nos destruir de vez. Acredito que ainda podemos mudar tudo isso, se cada de um nós fizer a parte que nos cabe. Posso não ver os resultados disso tudo, mas vou morrer lutando para que seres humanos enxerguem o que acontece e que mudem, e que o mundo não seja realmente o mesmo e sim melhor.
Claudia

Silvia disse...

Puxa, você me fez voltar no tempo, nasci em 71, e algumas memórias e sentimentos bons de nossa geração temos em comum, porém também as más, quero dizer, hoje vejo como más. A educação muito fraca e muita militarizada, que não nos permitia ter acesso a verdade dos fatos, ao contrário, nos contavam aquelas fábulas sobre "heróis" do nosso Brasil Varonil. Junta-se a isso a inconsequente falta de cuidado e preocupação dos nossos governantes em relação a necessidasde de preservação do meio ambiente, da urbanização organizada, da falta de leis ou aplicação das mesmas, e isso até hoje é assim na maioria das vezes, pois só agora se fala em Educação Ambiental, quando a escassez e a degradação estão tão evidentes. A população continua crescendo e a minoria despertou a consciência ambiental. Mas independente do tipo de escola que tive, cresci com grande sentimento de nacionalidade e penso como nossa amiga, faço minha parte, desejo fazer alguma diferença e juntos nos fortaleceremos.
Silvia