domingo, 30 de novembro de 2008

Relatos do Caminho de Santiago - VII

Das memórias do guerreiro amazônico...

A Solidão

... Era meu primeiro dia sem a Isabel. Havíamos passado momentos mágicos todos os seis dias anteriores como já contei. Para mim era um dia importante porque eu também queria começar a colocar a prova o meu ser. Andar sozinho significava um grau mais intenso de introspecção. Eu começava a pensar que o resto do trajeto até Santiago de Compostela seria assim. Ao início, eu estava ansioso para saber como me comportaria comigo, pois finalmente começaria a confrontar minha verdade absoluta e companheira por tanto tempo: a solidão. Ela não chegou prontamente, é verdade. Veio chegando sem que eu me desse conta. Aquele dia a Najera significou o maior desafio físico de todo o Caminho. Era mais difícil, ao estar sozinho, entreter-se mentalmente para amenizar a distância até a próxima vila. Lá pelas duas da tarde, parei nesse pequeno povoado chamado Ventosa, pois os meus pés simplesmente não aguentavam mais. Sentei num banquinho público deserto, tirei meus calçados e comecei a cuidadosamente massagear os meus pés. Com carinho, esfreguei os paliativos: cataflan, vic-vaporub e vaselina. Dediquei uns bons 20 minutos para descansar, e foi difícil decidir retomar a caminhada. Começou a passar pela minha cabeça dormir por ali mesmo, nesse povoado. Com muito custo decidi seguir em frente, e foi dessa vez que percebi que para pés cansados, parar um pouco é pior do que continuar. Enquanto eu passava o tempo tirando uma foto e outra, conversando com a minha sombra, comecei a tentar imaginar como estaria sendo aquele momento se estivesse acompanhado pela Isabel. Conclui que provavelmente estaria rindo, conversando, ou simplesmente contemplando-a. Mas agora eu estava só. Eu não tinha medo de estar a sós. Me dei conta que eu já conhecia suficientemente a dinâmica do Caminho. Já não tinha medo do desconhecido entre as etapas. Já sabia qual seria a minha rotina pelos próximos 22 dias se o meu corpo permitisse. Mas depois de 6 dias caminhando, e finalmente sem a Isabel, eu não conhecia ninguém. Possuía apenas frágeis enlaces com rostos familiares aos quais nos desejávamos reciprocamente "Buen Camino" quando nos cruzávamos. E naquele terreno onde eu já me sentia com certo domínio, percebi que eu estava desamparado. Essa sensação de desamparo foi o aviso que a solidão já estava caminhando comigo. E num piscar de olhos, me dei conta que essa sensação de desamparo era a essência da minha solidão em São Paulo. Uma cidade com 19 milhões de habitantes, e eu me sentia só a maior parte do tempo. Me sentia entretido durante as minhas horas de labuta, mas nos dias onde não sabia como passar o tempo, a solidão realmente assolava minha alma. E esses eram os dias que eu me sentia menos feliz. Nesse jogo de perguntas sem resposta que o intelecto desafia, percebi que esta solidão, tão antiga companheira, estivera comigo em tantos momentos que teoricamente eu não estava a sós. Sim, porque lembrei de tantos momentos nos quais também me sentia sozinho na cidade onde meus amigos se encontravam. Me senti só enquanto fui casado, me sentia a sós a muito tempo, e isso me consumia uma grande quantidade de esforços para me manter feliz. Eu perguntava ao Camino, o que eu deveria fazer para não viver nestes altibaixos da felicidade: horas exultante em extrema glória à vida, horas tão próximo da depressão...
Logo depois de sair desse pequeno povoado, entrei numa trilha do Camino que margeava uma rodovia de bastante movimento. A trilha por onde eu caminhava estava distante uns bons 10 metros da autopista, separada por uma mureta de concreto e um alambrado acima desta, mas mesmo assim, o tráfego de caminhões e carros era intenso. Isso é um grande incômodo para o introspectivo peregrino. O ruído dos motores e aço, e a própria velocidade com que os veículos passam perturbam a idéia de tranquilidade a qual cada uma já está acostumado. Nesse momento, eu já havia recorrido ao IPOD às minhas orelhas, enquanto ouvia uma psicodélica canção do Pink FLoyd. Meus olhos poupei ao olhar para a esquerda, desviando-os da autopista e buscando do outro lado, flores e plantinhas. Já estava absorto com a música e plantas à minha esquerda, quando tive a impressão que alguém estaria me ultrapassando pela direita. Era a sensação de não ter percebido um peregrino chegar ao meu andar e de repente alguém já estava passando ao meu lado. Nesse mesmo segundo (sim, tudo o que me aconteceu a seguir demorou apenas segundos), senti dessa "presença" como que um aviso despreocupado. Como se estivesse dizendo dentro dos meus pensamentos : "olhe isso!". Não estou dizendo que ouvi uma voz, nem nada do tipo. Foi somente uma sensação de alguém à minha direita querendo mostrar-me alguma coisa. Poderia até dizer que senti um pequeno tapinha no meu ombro. Instantaneamente, quando rompi minha linha de absorção a qual estava compenetrado, comecei a lentamente mover meu olhar para a direita. Como que em câmara lenta, meus olhos cruzaram o caminho à minha frente, e seguiram em direção à autopista. Por alguma razão que não explico, meus olhos se fixaram diretamente em um caminhão que vinha em minha direção a uns 500 metros de distância. Era mais um caminhão entre os outros. Somente se destacava a sua carreta azul, pois mal podia ver o resto por cima da mureta já que este estava ainda um tanto distante. Passaram outros dois caminhões ao meu lado e meus olhos continuavam acompanhando esta carreta azul, enquanto minhas pernas e bastão continuavam me levando em frente. Foi quando o caminhão já começava a cruzar-me que não quis acreditar nos meus olhos. Comecei a rir sozinho maravilhado. Em sua carreta azul, escrito em letras garrafais aparecia: IORIO, meu tão raro sobrenome italiano. Eu ainda estava sorrindo perplexo enquanto esfregava minha vista como nos desenhos animados para ter certeza que estava escrito IORIO, quando me ocorreu tirar uma foto. Minha mão dirigiu-se automaticamente ao estojo da minha câmera que carrego sempre no meu cinto, mas percebi que não teria tempo suficiente para ligá-la, armá-la e tirar a foto. Não era necessário. Essa mensagem era somente para mim.
Quando não era mais possível ver o caminhão, eu ainda sorrindo falei em voz alta: "Obrigado".
Foi desde então que me dei conta que nunca estive sozinho, e que nunca mais assim me sentiria. Minha solidão crônica estava curada. Apenas me foi providenciado um pequeno detalhe para que tudo fizesse sentido, e para que esta pequena lembrança fosse por mim invocada quando a solidão silenciosamente estivesse chegando...

Namaste

Marcos
vosso humilde narrador.

sábado, 29 de novembro de 2008

Uma vela para Luzia


Fazia tempo que eu não via algumas pessoas do escritório. As meninas insistiram que eu deveria ir ao happy hour que elas estavam marcando pra quinta-feira, pois o Fernando Agostinho, este irmão que a vida me trouxe, também estaria por lá. Eu tinha outro compromisso com a minha amiga Ana Carolina, que estava de passagem por São Paulo rumo a Paris, onde provavelmente ela passaria os próximos dois anos estudando em um conservatório de bairro, canto erudito. Acabamos remarcando de encontrar-nos na sexta. Perfeito: poderia ir ver todas as pessoas que eu estava a fim sem ter que optar por nada.
Como manda o figurino, o happy hour seria depois do expediente, perto das 18:00. Marcaram num lugar chamado Botequinho, que ficava a uns 9 Km de casa. Esse é um horário péssimo pra se andar de carro em São Paulo, e como eu partiria de casa, somado ao fato da campanha dos bafômetros, achei que seria arriscado sair com o carro da compania nessas circunstâncias. Então, nada mais ecológico e saudável do que meu transporte preferido: minha bike! Como ela acabava de voltar da revisão, com câmbio novo e rodas alinhadas, confesso que estava louco pra sentir esse pedalar ideal, sem problemas de trocas de marcha, sem ruídos, enfim, nas melhores condições mecânicas que aquela magrela poderia me oferecer. Preparei toda minha habitual indumentália: máquina fotográfica, acessórios, mochila, água, capacete e alforge. Parece um exagero, mas como estes itens não pesam, também não os considero "excessos". Só não encontrei uma das minhas luvas. Já estavam acabadinhas mesmo, e ao sair pedalando do condomínio às 17:45, pensei que poderia pedalar até a loja da Decathlon e comprar um par de luvas novo. Foi o que eu fiz. Cruzei todo aquele infernal trânsito da Marginal Pinheiros, pensando até como me sentia mais seguro de andar no meio do trânsito paulistano. Afinal, a lei é clara: os veículos devem manter 1,5 m de distância do ciclista. Meu espaço estava garantido por lei. Isso não quer dizer que ele seja respeitado, até porque 99% dos motoristas nem sabem da existência da lei. Mas conhecer a lei acaba somando algo à autoconfiança de estar no meio das enlouquecidas vias do trânsito desta megalópolis. Finalmente, saltos, curvas e derrapagens controladas após 10 Km, comprei meu par de luvas e terminei minha primeira etapa do trajeto.
Pedalei outros 5 ou 6 Km até o Botequinho. Todos vestidos no mais tradicional "office wear", elegantemente com paletós ou não, e eu de bandana, capacete e mochila. Cerveja e petiscos, conversas sobre o Caminho de Santiago e o climão na empresa, e achei que já era hora de zarpar. Não é bom abusar da segurança... a noite já se fazia presente. Enquanto o pessoal ia por seus carros, me despedi soltando o cadeado da bike no poste. Liguei os acessórios de segurança e saí sentindo a liberdade do vento no rosto enquanto meus músculos faziam o limpo trabalho de me levar adiante... como adoro pedalar!
Entrei na avenida Santo Amaro, e já caí no começo da João Dias. Às 21:30 já não eram tantos os carros na rua, mas isso significa que os poucos tem liberdade pra pisar o acelerador, e pro ciclista, atenção redobrada. A João Dias tem uma topografia levemente em descida, o que permite um pedalar suave mas com certa velocidade e eu já estava a uns 30 Km/h. Vinha pelo meu 1/3 da faixa da direita, cuidando dos automóveis atrás, quando este ônibus passou da faixa esquerda para a minha e foi me apertando ao mesmo tempo que me ultrapassava. Isso me obrigou a passar para a calçada, uns 20 metros antes de chegar a uma esquina. Eu já vinha apertando os freios nesse movimento, quando me dei conta que o ônibus que me obrigara a sair da rua, simplesmente começou a virar a esquina saindo da avenida. Não quis acreditar que ele estava fazendo isso sem sinal. Eu não tinha espaço suficiente pra frear com segurança. Quando já estava na esquina , o ônibus já tinha avançado um terço do seu tamanho fazendo a curva. Se eu não parasse já, daria de frente com ele bem na sua metade. Foi quando cravei os freios da magrela, e a traseira levantou fazendo a típica catapulta que eu já houvera experimentado outras vezes. Não dei de cara no ônibus, que continuava em movimento, porque consegui virar o corpo de lado e segurar com a mão esquerda contra o ônibus. Caí ali mesmo batendo o joelho fortemente contra o chão. Naquele segundo pensei que o acidente já havia se concretizado. Com as escoriações que ganhei e o joelho inchado, já seria suficiente para pensar o suficiente. Mas a cena ainda não acabara. Eu já estava no chão, mas o ônibus ainda não terminara de fazer a curva. E no seu movimento normal, as rodas de trás foram fechando. Meus olhos calcularam em milésimos de segundo pra onde iriam aquelas quatro rodas de eixo duplo traseiro, e gritei internamente: "Não, minhas pernas não!!!". Desesperado mas já sem poder fazer nada, vi a meio metro da minha cabeça, aquele par de rodas subindo e descendo cada uma das minhas pernas. As rodas passando a poucos centímetros abaixo do meu joelho foram uma cena muito forte. Meu cérebro apenas interpretou uma possibilidade com o tamanho do veículo naquela situação: as pernas estavam sendo esmagadas. E mesmo negando aquele cruel destino, aceitei a condenação. Meio segundo após, o ônibus terminava de fazer o seu doloroso trajeto e passava do meu alcance. Segurei com muita força minha vontade de urrar. Me passou pela cabeça gritar o mais alto que pudesse, mas essa vontade veio junto com uma necessidade imediata e intelectual de controlar a dor lancinante. Pensei em seguida sobre a inundação bioquímica que tomaria conta das minhas células, e entrei num frenético exercício de respiração para poder suportar o momento. Foi como o exercício respiratório do parto. Minhas pernas estavam inundadas por ondas de dor lancinante, e eu continuava respondendo a elas deitado na rua e respirando freneticamente.
No meio daquele yoga sem estilo algum, um rapaz me avistou e enquanto levantava minha bicicleta, perguntou se eu tinha caído. Respondi que sim, e que além disso o ônibus passara por cima das minhas pernas. Ele não queria acreditar e me perguntou se eu tinha certeza. Eu ainda estava no exercício respiratório tentando controlar a dor.
- "Qual ônibus? Ele não parou?", perguntou o rapaz.
- "Não parou não!", respondi.
Virei minha cabeça para o lado enquanto deitado no chão e vi que a uns 20 metros, dois ônibus estavam parados enquanto as pessoas desciam num ponto. Olhei a placa, que parecia ser AKG ou AGQ, mas me passou pela cabeça que não teria certeza qual dos dois teria me atropelado, e voltei minha atenção para as pernas. Olhei para a calçada e vi um grupo de 3 meninas, aparentemente estudantes, olhando para mim enquanto o rapaz explicava que o ônibus tinha passado por cima das minhas pernas. O rapaz pediu pra que eu permanecesse sem me mover, deitado. Uma das meninas me perguntou se eu queria que ela retirasse minha mochila das costas, eu disse com a voz dolorida que não. Ela prontamente começou a chamar o serviço de paramédicos através do celular, descrevendo a cena, endereço e as informações de praxe. Olhei para o céu, e de novo para minhas pernas. Não queria acreditar no ocorrido. Uns cinco minutos haviam se passado, e eu começava a dominar a dor preliminar. A quantidade de adrenalina já havia feito seu trabalho, e agora, tentei mexer meus pés com sucesso. Verifiquei as pernas com minhas mãos já me sentando, e ví que os ossos pareciam seguir seu desenho natural. Senti que minhas pernas continuavam fisicamente integras. Me concentrei, canalizei as forças, e um segundo depois, eu estava de pé. O rapaz pediu pra que eu continuasse no chão, e eu respondi que acreditava estar bem. Escutei a menina narrar pelo celular que eu estava ficando de pé, e pedi pra ela cancelar a chamada. Ela me obedeceu, e logo depois de desligar o celular, perguntou se estava bem. Ao meu consentimento, as três foram partindo. O rapaz me ajudou com a bicicleta, e certificou-se que eu estava bem. Durante a minha retomada de consciência, se me ocorreu agradecê-lo, e perguntei seu nome:
- "Gabriel", respondeu sorrindo.
- Gabriel... o arcanjo... cara, muito obrigado mesmo. Você tava aqui pra me socorrer...
- Não foi nada. E você... como é teu nome?
- "Marcos", respondi."Mais uma vez, muito obrigado Gabriel!"
- Vai com cuidado...
- Pode deixar. Vou devagarzinho agora...
Montei na magrela e saí pianinho. Minhas pernas doíam muito. Pensei se deveria ou não chamar meu pai ou a Gisele, minha amiga que estava no bar e morava perto de casa, mas achei que se eu pudesse pedalar, economizaria um momento precioso até que não pudesse mais seguir em frente. Saí pedalando, nas marchas leves, sentindo e controlando a dor nas pernas. Percorri os 7 ou 8 Km que me distanciavam de casa.
Finalmente estava na frente de casa. Não queria impressionar meus pais. Calmamente guardei a bicicleta, entrei em casa, dei um "oi pai" enquanto ele assistia TV na sala, e falei:
- Vou tomar uma ducha.
- "Tomaram todas?" perguntou ele sem olhar pra mim.
- Não muito...
Vi que a minha mãe assistia novela no meu quarto e falei da porta do banheiro sem vê-la:
- "Oi mãe", e me fechei lá dentro, lembrando de quando meu irmão quebrou o braço aos 12 anos de idade e se trancou no banheiro pra não ser flagrado pela travessura.
Sentei na privada, tentei tirar a calça rasgada de lycra para ciclismo sem encostar nos meus cortes, que sangravam e ardiam muito. Tentei por dois minutos abrir o zíper da perna da calça, e conclui que como não a usaria mais, não havia problema rasgá-la. Me senti meu próprio paramédico ao fazê-lo. Entrei na ducha e os primeiros filetes de água a percorrerem por cima dos raspões em sangue inevitavelmente trazem aquelas recordações da infância: como ardem os machucados!!!
Olhei pra perna e achei que o inchaço que ela apresentava poderia ser por alguma hemorragia. Lembrei quando a dois anos atrás, rompi os ligamentos do pé esquerdo, tirei uma foto nas horas seguintes e procurei um ortopedista três meses depois. Quando mostrei para o ortopedista a foto perguntando se haveria maneira de recuperar o ligamento, ele olhou pra mim em tom irônico e respondeu:
-Se você tivesse procurado um médico no momento em que tirou a foto, sim. Agora não dá pra fazer mais nada.
Serviu de lição. Na dúvida, vou procurar o pronto-socorro, decidi. Terminei a ducha de 5 minutos e ainda sangrando saí do banho. Tentando manter toda a situação sem alarmes para meus pais, vi que não estava sendo 100% feliz ao ver uma gota de sangue manchar a toalhinha de chão do banheiro. Não havia mais tempo a perder. Me sequei como pude, manchando a toalha de sangue. Coloquei todos os meus apetrechos (meias ensanguentadas, calças rasgadas, luvas rasgadas) dentro do meu capacete, saí do banho e escondí no escritório. Guardei a toalha no banheiro do meu quarto, e sem alarde peguei roupas no meu armário tranquilamente, enquanto minha mãe ainda assistia a novela de luzes apagadas (ufa!). Me vesti e desci dolorosamente as escadas. Peguei meus documentos, carteirinha do plano de saúde, as chaves do carro e falei pro meu pai:
- Já volto...
Dirigi até o Hospital São Luiz, no Morumbi, a uns 15 Km de casa. Cheguei à recepção, mas vi que não tinha condições de ficar em pé. Rapidamente, me colocaram numa cadeira de rodas e só respondi quando me perguntara o que eu tinha:
- Um ônibus passou por cima das minhas pernas.
Me levaram pra emergência, anunciando politrauma. Eu ocupava um dos três leitos disponíveis enquanto. Não consegui ver por causa das cortinas, de quem se tratava, mas escutei um senhor a dois leitos de distância, sendo atendido devido a sua alta pressão. Fui logo atendido pelo enfermeiro Marcio, e logo em seguida, pela Dra.Marta. Contei do incidente, e ela disse que chamaria um ortopedista pra me checar. O Dr. Frank apareceu uns 15 minutos depois, e contei a ladainha de novo. Meu estado físico não condizia tanto com a incrível história. Imediatamente ele pediu raios X de tudo, dos pés a cabeça, passando pela cervical, joelhos, enfim, uns 10 ou 12 exames. Duas doloridas e longas horas se passaram até que me levaram para a sala de raio X. Nesse meio tempo, escutei uma pessoa descrevendo a situação de um novo paciente que estava colado ao meu leito, mas que também não podia ver devido às cortinas que nos separavam. Esta pessoa havia chegado com pneumonia. Parecia ja ter sido internada. Sua glicose estava em 241, mas ela não era diabética. Foram descritos outros procedimentos que haviam sido levados a cabo. Em nenhum momento ouvi a paciente falar. Sua acompanhante deu todo o descritivo e parecia apreensiva, como esperando providências imediatas. O enfermeiro disse que a entubação já havia sido feita, e que estava tudo sob controle. Comecei a me perguntar se seria uma pessoa jovem ou idosa, ou até uma criança que enfrentava aquela situação. Não ouvi mais conversa depois de toda aquela movimentação inicial. Só ouvia um peito com muita dificuldade de respirar. A respiração carregada parecia ser uma batalha a cada inspiração. Me pareceu que a pessoa ao lado estava numa situação frágil, e que a qualquer momento algo sairia de controle. Exercitei muito minhas exotéricas crenças, e tentei emanar todas as possíveis boas reservas de cura que haviam me restado depois da minha experiência pessoal naquela noite. Fiquei com uma vontade tremenda de me levantar e ir até o leito ao lado para impostar minhas mãos a essa pessoa. Mas eu não estava em condições de sair da cama. Ainda sentia muita dor nas pernas. Finalmente, o enfermeiro Marcio começou a conduzir minha maca para o raio X. Perguntei acerca da pessoa que estava a meu lado na emergência. Enquanto me sentia um top model na sessão interminável de fotos de raio-X, meu celular soou sem que eu pudesse alcançá-lo. Pensei:
- Caraca, mãe sempre sabe quando tem algo errado.
O telefone tocou até emudecer. Terminando a sessão dos Raios X, o radiólogo levou minha maca até a tomografia e lá fiquei sozinho por uns dez minutos. Tentei alcançar meu celular, que estava na parte de baixo da cama que eu ocupava. Mas fazer aquilo com aquele imobilizador no pescoço que havia ganhado assim que entrei na politrauma, era quase ridículo. Percebi que o enfermeiro acabava de entrar no quarto e disfarcei sem sucesso.
- Impressão minha ou você estava se contorcendo? Não pode fazer isso...
- É, tava tentando pegar meu celular aqui embaixo. Acho que minha mãe ligou. Não queria deixá-la preocupada...
- "Deixa eu pegar pra você...
- Pois é, não tem sinal aqui na sala...
- Sei de um canto que pega...
E lá saímos procurando o sinal do maldito celular pelo hospital. Nada feito.
- "Deixa pra lá". Falei
- Eu vou conseguir um ramal pra você. Fica tranquilo.
Ele me passou um telefone sem fio depois de discar pra casa. Minha mãe atendeu:
- Mãe, você ligou né? Pois é, fiquei sem bateria. Então tou ligando pra dizer que tpa tudo bem e que eu já tô chegando... tá bom? Então beijo... tchau.
- "Ué, já falou?" me perguntou o Marcio enquanto recebia o aparelho. "Mas você não falou nada pra sua mãe!?"
- Falei o que ela precisava ouvir. Às vezes temos que ser realmente práticos. E deixá-la preocupada com as mãos atadas seria sádico da minha parte, não acha?
- "Tem razão!", respondeu rindo.
Voltamos pra sala de emergência. O Marcio me contou das novidades:
- Acabamos de receber um colega seu...
Olhei com uma interrogação no rosto
- Colega?
- É, se acidentou de moto...
- Ui, e ele tá bem?
- Tá, foi que nem você. Ainda passou em casa, tomou um banho, e veio pra cá. Só que ele veio acompanhado da mãe.
- É... bom, eu deixei a minha em casa.
Ao meu lado, de tempos em tempos escutava um alarme soando com a paciente da pneumonia, e voltei a ficar sentido por aquela alma. Foi quando ouvi novamente a sua acompanhante se dirigindo a ela:
- Calma querida, tá tudo bem, se acalme. Se acalme que você está no colinho de Jesus, tá bom?
De novo comecei a mentalizar todas as minhas crenças sobre manipulação de campos e as coisas que a quântica me permitiriam fazer para transferir energias pra que ela se recuperasse e realmente estivesse protegida. Entraram uns médicos perguntando pelo Jonatas, que deveria ser o acidentado de moto. E começaram uma sessão perguntas que foram respondidas pela sua mãe. Mas lembrem que eu nada podia ver, apenas ouvir e imaginar, separado pelas cortinas ambulatoriais...
Finalmente, depois de 3 horas, o ortopedista, Dr. Frank apareceu novamente, e me disse:
- Você é um perna dura!
- Porque?
- Nenhum osso quebrado. Você teve muita sorte!
- Minha preocupação é vascular... será que não esmaguei nada do sistema circulatório? Trombose? Flebites?
- Não, pelo teu quadro tá tudo ok. Só que vai doer. Vai aparecer hematoma e é bom você naõ andar por uma semana, ou pelo menos, o mínimo possível. Precisa de atestado?
- Não, por sorte, tô de férias...
- Bom da minha parte então você tá liberado. Vou passar uns remedinhos e um antinflamatório injetável. Você prefere intravenoso ou intramuscular?
- Qual dói menos?
- Bom, os dois são só uma picadinha.
- Bom eu ainda tenho que voltar dirigindo...
- Você não trouxe acompanhante?
- Não...!!
- Ué, veio sozinho?
- É! Eu pedalei até em casa... dirigir foi fácil.
- Bom, nenhum dos dois vai te dar sono, então não tem problema pra dirigir...
- Então me dá os dois!
- Cada louco... vou te mandar o intramuscular. Bom qualquer sinal estranho você volta procurar a gente...
- Tá bom, obrigado Dr Frank, bom trabalho!
- Boa recuperação.
Depois da injeção, e curativos, finalmente recebi a alta da Dra.Marta, a primeira a me atender. Estava pra ir embora quando chegou um outro enfermeiro, Robson, de cabelo engraçado. Ele iria substituir o Marcio durante sua hora de janta. Me despedi do MArcio, e quando ensaiava minha passagem para a cadeira de rodas, o novo enfermeiro Robson me perguntou:
- Que aconteceu com você?
- Ah, um ônibus passou por cima das minhas pernas!
- Tá brincando? Meu Deus! E tá tudo bem? Puxa você viu a morte de perto hoje!!!
- É... parece que sim.
- E quem tá te esperando?
- Ninguém, eu vim sozinho...
- Sozinho??? Mas eu não posso deixar vocÊ sair sozinho nesse estado! Você vai ter que chamar alguém!
- Não... eu já recebi alta. Eu já tava indo embora... meus dois médicos disseram que eu posso ir embora...
- Sim, mas não sozinho!
- Sozinho sim... eu pedalei 7 Km e dirigi até aqui... agora o pior já passou. Vai por mim. Eu tou em condições de dirigir...
- Olha, me desculpa. Eu não quero ser chato, mas eu tenho que consultar minha superiora.
- Tá bom..
E já comecei a pensar no transtorno que seria, depois de tudo, chamar meus pais ao hospital Às 3 da manhã. Volta o Robson:
- Não é que eu queira ser chato, mas me entenda, quem vai assinar a tua saída sou eu. Então sabe como é, é responsabilidade do hospital, dos doutores que te atenderam, mas se acontecer alguma coisa com vocÊ, é o meu nome que vai estar na liberação, então eu tenho que me precaver!
- Não tem problema Robson, eu entendo. Mas eu te juro que me sinto bem...
- Então você diria isso pra minha chefe?
- (risos) Claro... até pro Papa eu confirmo a história.
Bem nesse momento, abre-se a porta da emergência e entra uma médica, uma loira muito bonita com o nome Carla no crachá, aparentando uns trinta e poucos anos... meu tamanho...
- Nossa que coincidência, essa é a minha chefa - emendou o Robson - Chefa, esse é o rapaz que eu comentei no telefone...
Ela me olhou e perguntou:
- Você não chegou comigo?
- "Cheguei?", respondi.
- É, você não chegou comigo hoje?
Fiquei confuso com a pergunta dela, mas não tive dúvidas em continuar:
- Olha Carla, eu não lembro se cheguei com você hoje, mas adoraria ir embora contigo se eu pudesse!
Ela não pareceu ficar sem graça, mas o enfermeiro ficou, e eu ri esperando o resultado daquela conversa confusa que recém se iniciava:
- Você não tava acompanhado com a tua mãe? Você não entrou hoje às 7 por moto?
- Mmmm, não. Eu entrei as 10 por bicicleta... sou humilde. O da moto é dois leitos pra frente... é o Jonatas!
- Nossa, mas vocês são superparecidos...
- Já é a segunda pessoa que nos confunde. Não tem problema...
- Ah bom... achei que tava ficando louca. Deixa eu ver. Fica de pé pra eu ver teu equilíbrio...
- Claro!
Me concentrei pra não passar nenhuma má impressão, mas a verdade é que doía muito ficar de pé. Passei no exame. Todos de acordo com minha alta novamente. Sentei na cadeira de rodas com o pedido de desculpas do Robson.
- Não tem problema não meu querido. Só vou te pedir um favor antes de você me empurrar até o estacionamento...
- Pois não!
- Me leve até aqui ao lado que eu preciso fazer uma coisa...
- Tá bom..
Minha primeira parada foi no leito ao lado. A acompanhante daquela frágil senhora inconsciente e entubada me olhou com a indiferença de alguém que apenas passaria por ali. Mas pedi para o Robson me parar enfrente à senhora. Olhei por alguns segundos e mentalizei a cura. Olhei pra senhora que a acompanhava e perguntei:
- Dona Luzia é o nome dela não?
A senhora um pouco sem graça, mas sorrindo respondeu de pronto:
- É sim...
- Puxa, ela tá com 88 anos, né? E a respiração tá difícil né?
- É... nossa, como você sabe?
- Ah, somos companheiros de quarto... nossa heroína está em boas mãos... não se preocupe...
- Puxa... muito obrigado... que gentil da sua parte...
- "Não se preocupe menina... tem um exército cuidando de você!", disse me dirigindo pra dona Luzia."Agora quero conhecer meu clone Robson", e fomos pro próximo leito."Você deve ser o Johnatas..."
E um rapaz com o cabelo rapado como o meu, mas com braços e peito tatuados respondeu sorrindo:
- Eu mesmo
- Johnatas Vasconcelos, do acidente de moto...
- Nossa, como você sabe tudo isso? Respondeu sua mãe com os olhos arregalados
- "É que somos companheiros de quarto", respondi. "E aí, se arrebentou?"
- Não, eu tou bem! (risos) E você, também foi moto?
- Não, sou mais simplão... o meu foi bicileta...
- Ah, bom...
- É, mas ônibus passou por cima das minhas pernas...
- O quê? (sentando na cama e procurando ver se minhas pernas estavam lá)
- Mas eu tou bem... bom, só passei aqui pra te desejar boa recuperação e que você tome cuidado com as duas rodas...
- Puxa, obrigado... boa recuperação pra você também!
- Tá bom, té mais. Fiquem com Deus... Namaste! Robson, última paradinha na Dona Luzia...
- Tá bom...
Chamei a acompanhante da Dona Luzia, que deveria ser sua filha, e lhe disse:
- Não se preocupe, ela está em boas mãos... chegando em casa, eu acendo uma velinha por ela, tá bom?
- Puxa, muito obrigado... que Deus te proteja!
- A todos... Namaste!
Saí da emergência com as palavras do Robson:
- Nossa, como você é bonzinho!!! Você tem uma presença muito boa!!! Deus seguramente tá com você menino!!!
- Somos um exército Robson... somos o exército que mantém a coisa equilibrada... Namaste.

sábado, 15 de novembro de 2008

Pedalando por SP

Pois é. Fazia dias que eu estava encasquetado por achar uma maneira de acessar o meio da Marginal Pinheiros. Ali encontra-se o Projeto POMAR, que basicamente se iniciou em 1989 como uma "frente" de trabalho popular. Mais informações: http://www.gonc.com.br/pomar/
Mas finalmente decidi procurar uma entrada de acesso, e consegui. O resultado foram fotos interessantes sobre o outro lado do rio (Pinheiros), num ambiente totalmente distoante da confusão a poucos metros dali: a hora do rush. Me perguntava: Sou o único louco a questionar porque isso não estava aberto pro público, num ambiente de milhões de possíveis contestadores? Será que o acesso é proibido? ou apenas dificultado? Sim, porque poder pedalar no meio de capivaras, flores, carcarás e outras aves, bem no meio do fervo de SP, é uma dádiva.
Então, curtam o pequeno vídeo com a aventura...
Abraço!!!


[AVISO: O Youtube, através de uma reclamação da Warner Music Group simplesmente surrupiou o áudio do vídeo por questão de direitos autorais. Como ambas músicas Rhatamahatta do Sepultura (Roots-1996) e Her Majesty dos Beatles (Abbey Road-1968) pra mim já caem no domínio público e sou partidário do abaixo a ditadura cultural, vcs podem ver o vídeo sem som e "imaginar" que diabos eu coloquei de fundo em cada uma das imagens (sim, porque o que também não era da WMG foi retirado) e me achar um gênio surrealista ou reclamar: Pô, aumenta o som aí vai!!!!]
PS... depois não querem que pirateiem com atitudes ridículas como essa... meu vídeo nem famoso era...

Resumo da Chapada Diamantina

Demorou, mas disponibilizei, vai!

HISTÓRIA

A criação e ocupação das cidades e vilas da Chapada Diamantina é fruto direto da exploraçào do diamante. Antes da descoberta desta pedra preciosa a região era vagamente povoada e ainda comandada pelo índios Maracás, que respondiam com violência à chegada de estranhos. A agropecuária praticada nas grandes fazendas era a atividade econômica principal.

Em 1710, com a descoberta de ouro no sul da Chapada (próximo ao rio de Contas Pequeno) e a consequente chegada de bandeirantes e exploradores vindos de outros pólos mineradores, começou a colonização da região.

Não se sabe ao certo quando o diamante foi encontrado pela primeira vez na Chapada Diamantina. Com as tentativas do governo português de controlar e até impedir a exploração de pedras preciosas no Brasil para evitar a queda de preços no mercado internacional e garantir o pagamento do quinto, certamente essa atividade certamente já existia antes das explorações regulamentadas.

Em 1844, com o anúncio da descoberta de diamantes muito valiosos próximo ao rio Mucugê, começou a corrida pela pedra na região. Garimpeiros vindos do Arraial do Tijuco (hoje Diamantina) e locais já em crise devido ao fim do ciclo do ouro puxaram a população itinerante que explorava o Brasil atrás de riquezas. Comerciantes, colonos (responsáveis pelas plantaçòes), jesuítas, contrabandistas e estrangeiros se espalhavam em vilas marcadas pela falta de leis e autoridades oficiais.

É importante destacar também a exploraçào do carbonato na Chapada Diamantina. Inicialmente desprezado pelos garimpeiros, a partir de 1871 foi disputado a altos preços pelos países europeus, interessados em elementos resistentes para as máquinas e construções que alavancavam a Revolução Industrial.

O esgotamento parcial das jazidas de diamante foi agravada pela descoberta de novas fontes no sul da África, iniciando um longo período de recessão e pobreza. As atividades agropecuárias voltaram a ser a principal fonte de renda e emprego da região, ao mesmo tempo que favoreciam a concentração de poder e dinheiro pelos grandes coronéis.